Giovanni Rossi

Giovanni Rossi (pseudônimo Cardias) (1856 – 1943) foi um anarquista italiano, engenheiro agrônomo e médico veterinário de profissão, escritor que por influência dos socialistas libertários experimentalistas franceses (socialistas utópicos no jargão marxista), escreveu uma série de livros sobre a criação de comunidades experimentais. Foi membro da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) de Pisa, fundou a Colônia Agrícola Experimental Cittadella em Cremona, e ganhou notoriedade ao tentar implementar a colônia experimental Cecília no ano de 1890, em território brasileiro, na cidade de Palmeira, estado do Paraná.

Biografia

Nascido em uma família de profissionais liberais, filho de pai advogado e mãe de uma tradicional família de médicos da cidade de Pisa, desde cedo Rossi é educado por tutores para seguir as profissões pré-existentes na família – medicina ou advocacia. Contrariando o desejo dos pais, escolhe estudar agronomia e veterinária na Escola Normal Superior de Agronomia onde se diploma em cirurgia veterinária. Em seu período de graduação tem contato com a literatura socialista antiautoritária e logo passa a militar no partido socialista clandestino de Montescudaio.

Uma comuna socialista

Entre 1878 e 1891 sob o pseudônimo de Cardias, Giovanni Rossi publica uma série de cinco livros chamada Une commune socialiste (Uma comuna socialista), no qual a personagem principal é uma mulher chamada Cecília. Neste ensaio o autor apresenta a história de uma comunidade libertária e coletivista, uma vila imaginada através da qual, critica a religião, a propriedade privada e a família nuclear. Em Novembro do mesmo ano Rossi é preso por suas idéias antiestatais sendo liberado somente em Abril de 1879 quando o caso é arquivado.

Como os demais membros da Internacional Rossi é perseguido pela repressão estatal italiana de sua época. Considerada marginal no contexto da política italiana de então, a proposta de Rossi vai ao encontro do projeto dos anarcosindicalistas e marxistas que divididos entre si apostavam na insurreição revolucionária como meio de transformação social. Se distanciando do inssurreicionalismo a proposta de Giovanni Rossi envereda para a possibilidade de resolução dos problemas sociais, do capitalismo e do estadismo – através do socialismo experimental cientificamente fundamentado, mais conhecido atualmente como comunalismo experimental.

A Cittadella

Giovanni Rossi (à direita), Giuseppe Mori e outros companheiros na Cittadella.
Giovanni Rossi (à direita), Giuseppe Mori e outros companheiros na Cittadella.

Após a prisão muda-se para Brescia onde, alguns anos depois em 1886 começa a publicar com Andrea Costa o jornal Lo Sperimentale (O Experimento), defendendo a criação de colônias cooperativas horizontais.

Sua primeira tentativa em constituir uma comuna experimental acontece em Lagoa Lombardo, em Cremona, onde, com o apoio do proprietário de uma pequena fazenda adquire uma área onde o solo será cultivado e as instalações erguidas. Em 11 de Novembro 1887 é fundada a Association agricole coopérative de Cittadella (Associação agrícola cooperativa de Cittadella) que rapidamente atinge resultados surpreendentes na produção agrícola a ponto de, na Expo Paris de 1889 a “massa falida” da Cittadella – como eram chamados por seus críticos – recebem medalha de prata por seu êxito na qualidade e quantidade de seus produtos agrícolas.

Apesar dos excelentes resultados, Rossi não estava plenamente satisfeito com a “experiência”, já que, apesar de ser verdade que a Cittadella era completamente autogestionada e que nela todo trabalho havia sido coletivizado, e seus ganhos socializados, essas transformações no plano do trabalho não levaram à transformações nas relações pessoais, entre os trabalhadores. Nesse sentido Rossi considerava que o experimento da Cittadella não atingira êxito no sentido de estabelecer meios de coesistência verdadeiramente libertários.

Abandonando o projeto, Rossi decide por uma nova experiência de outro lugar onde possa ser possível estabelecer um verdadeiro laboratório social, apresentando melhores condições de avaliação. Pouco a pouco Rossi se volta para a possibilidade de mover seu experimento para a América e começa a procurar um local que pudesse oferecer maior possibilidade de êxito.

Um imperador de além mar

Ironicamente seria através do auxílio de um imperador que o anarquista Giovanni Rossi finalmente encontraria o espaço para estabelecer sua colônia. Em 29 de Abril de 1888 o então imperador do Brasil, Pedro II chega a Milão. Acometido de uma doença Pedro II havia sido aconselhado por seus médicos a fazer seu tratamento na Europa. Conhecido por seu afã progressista, na cidade de Milão, inusitadamente Pedro II tem contato com a obra Il Commune in Riva al Mare escrita por Giovanni Rossi. Esta imediatamente aviva seu interesse tanto por seu humanismo quanto pela proposta de superação das desigualdades.

Na obra Rossi descreve uma comuna libertária experimental em um país da América, onde individualismo e coletivismo encontram equilíbrio na liberdade de relações, amor livre, e abolição da propriedade privada, ausência de hierarquias e dogmas. Retornando ao Brasil em Agosto daquele mesmo ano o imperador Pedro II escreve para Rossi, propondo-lhe que efetive sua colônia experimental no região meridional do Brasil, na província paranaense.

Descontente com as medidas imigratórias empreendidas nas últimas décadas e conhecido pelo seu alto senso inventivo e humanitário, próprio do iluminismo, Pedro II do Brasil demonstra curiosidade sobre os resultados da experiência de Rossi e seus resultados. A região escolhida próxima ao aldeamento de Palmeira, nas proximidades da serra geral, na Província do Paraná, era a mesma na qual anteriormente, em 1878 haviam sido levados mil sessenta e seis colonos russo-alemães que após dois meses de sua chegada financiada com os recursos do Império, haviam desistido do colonato com base na afirmação de que as terras eram imprestáveis para o cultivo. Por fim os colonos exigiram repatriação que se deu através do frete de barcos a vapor também pelo império que os levaram de volta para Hamburgo.

Ida para o Brasil e Colônia Cecília

Em 20 de Fevereiro de 1890 Rossi parte do porto de Gênova, na Itália, com outros cinco libertários – Cattina e Achile Dondelli, Evangelista Benedetti, Lorenzo Arrighini e Giácomo Zanetti – em direção à cidade do Rio de Janeiro, no sudeste do Brasil. Contavam apenas com 2.500 libras para a viagem feita em um navio a vapor mercante adaptado para transporte de passageiros chamado Cittá di Roma.

Como quaisquer outros grupos de imigrantes foram instalados no alojamento de imigrantes Ilha das Flores após aportaram no Brasil em 18 de Março de 1890. Uma semana depois viajam para a província do Rio Grande do Sul, mais especificamente para a cidade de Porto Alegre. No entanto, não chegariam ao seu destino inicial. O Navio Desterro em que haviam embarcado faria escalas nos portos de Santos e de Paranaguá onde desembarcariam os fundadores da Colônia Cecília devido a violência das ondas e o enjoo

Nós devíamos ir a Porto Alegre, mas o mal do mar fazia sofrer tanto a dois dos nossos companheiros, que decidimos poupá-los de outros cinco ou seis dias de navegação e descer aqui, para fundar nossa colônia social em alguma parte do Paraná, onde sabíamos que encontraríamos um clima ameno e saudável.
—Giovanni Rossi, citado por FELICI, p.14.

Aqui, em menos de um ano, a população, atraídos pela esperança de vida melhor para aqueles que tiveram de suportar na Itália veio a contagem de cerca de 250 unidades. 4 anos para a colônia, chamada Cecilia, em honra de um imaginário libertário musa, sobreviveu sem qualquer organização política ou religiosa, apesar das muitas dificuldades, mas depois foi obrigado a ceder.

um grupo de anarquistas deixa a Itália por iniciativa de Giovanni Rossi. Embarcam na cidade de Gênova, com destino à Palmeira, no estado brasileiro do Paraná, onde estabeleceram a Colônia Cecília.

Com uma população constituída em sua grande maioria por homens, a colônia experimental chegou a contar com quase 300 membros. Enquanto experimento anarquista de socialização horizontal e emancipação sexual, a colônia durou em torno de cinco anos, encontrando seu fim não somente devido a problemas materiais, mas também por dificuldades emocionais e sexuais (particularmente como conseqüência do número reduzido de mulheres).

Na Colônia Cecília uma estrutura chega a ser construída para dar lugar à escola libertária, no entanto o esforço pela sobrevivência não permite seu funcionamento.

“Instrução, música, teatro, dança, ainda não foram possíveis. O trabalho produtivo tem nos absorvido inteiramente”
—Trecho da carta de Giovanni Rossi em 1890

A colônia se dissolve em 1894, mas Rossi não retorna para a Itália, permanecendo no Brasil, primeiro em Taquari, depois em Rio dos Cedros como diretor de uma estação de pesquisa em agricultura. Sobre a região ele publica o livro Le Paranà au 20° siècle (O Paraná no Século XX).

Retorno à Itália e óbito

Em 1907 Rossi retorna para a Itália, pesquisando problemas agriculturais, sendo empregado como veterinário e professor, continuando sua militância em favor das colonias cooperativas libertárias e defendendo a emancipação das mulheres. Com o começo da Segunda Guerra Mundial Rossi aposentado vive um período de reclusão e morre com a idade de 87 anos.
Legado

Giovanni Rossi na senioridade

Esquecidas durante boa parte do século XX as experiências comunitárias propostas por Giovanni Rossi vêm sendo resgatadas por anarquistas e historiadores nas últimas décadas. Diante do colapso do mundo do trabalho formal, da super-exploração laboral e da falência das estratégias propostas pela esquerda convencional, a constituição de comunidades libertárias fora dos meios urbanos retornam ao panorama de ação de muitos grupos anarquistas, alguns destes também por influência da proposta anarco-primitivista.

O surgimento de comunidades experimentais também faz parte da proposta de autores como Hakim Bey e Paul Goodman que vêem nesses espaços de ação e interação capazes de impactar no imaginário e no cotidiano de um número cada vez maior de pessoas através da experiência em detrimento do discurso.

Curiosidades

O físico Giovanni Rossi Lomanitz foi assim batizado a pedido de seu pai, um engenheiro agrícola estadunidense, em homenagem ao fundador da Colônia Cecília no Brasil.
Em 1906 Giovanni Rossi foi uma das grandes presenças no Primeiro Congresso Operário Brasileiro juntamente com delegados de 23 organizações operárias e anarquistas de cinco estados brasileiros.

Bibliografia – A obra de Giovanni Rossi

ROSSI, Giovanni (Cardias): Cecilia comunità anarchica sperimentale; un episodio d’amore nella colonia Cecilia; pref. Salvo Vaccaro. (Pisa: Bibl. Franco Serantini, 1993.
ROSSI, Giovanni (Cardias): Colonia Cecilia: la vita in una comune. [Torino, 1978.] 98 p., ill.
ROSSI, Giovanni (Cardias): Cittadella e Cecilia. Due esperimenti di colonia agricola socialista.
ROSSI, Giovanni (Cardias): Colônia Cecília e outras utopias. Estado do Paraná: Imprensa Oficial. 2000.

Obras sobre Rossi e a Colônia Cecília

Isabelle FELICI, La colonia Cecilia. Fra leggenda e realtà
Mauro STAMPACCHIA, Due lettere inedite di Giovanni Rossi a Ruggero Grieconel settembre 1924. http://www.imprese.com/bfs/28rsa.html
Un comune socialista, 1876, translated & edited, together with other articles and letters from Rossi & others, by Alfred Sanftleben under the title Utopie und Experiment, Zurich 1897.
Unpublished handwritten manuscript of `Socialismo Pratico’ by G. Rossi; one letter from G. Rossi to Alfred Sanftleben 1896; copy of printed preface to `Utopie und Experiment’ by A. Sanftleben; some press clippings, in holdings of the International Institute of Social History.
Stadler De Souza, O anarquismo da colônia Cecília (Rio de Janeiro, 1970).
Rodrigues, Os anarquistas: trabalhadores italianos no Brasil (Sao Paolo, 1984), 60-90.
Sheldon Maram, “The Immigrant and the Brazilian Labor Movement,” in Dauril Alden and Warren Dean, ed., Essays Concerning the Socioeconomic History of Brazil and Portuguese India (Gainesville, 1977), 199-200.
Michael Hall, “Immigration and the Early Sao Paulo Working Class,” Jahrbuch von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft Lateinamerikas 2 (1975): 393-407.
John W.F. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1935 (Austin, 1973).

Filmografia

1975 – La Cecília dirigido por Jean-Louis Comolli.
1989 – Colônia Cecília minissérie dirigida por Hugo Barreto.
1994 – Pão Negro: Um Episódio da Colônia Cecília dirigido por Valêncio Xavier.