O Método Revolucionário – Luigi Fabbri
Muitos caem no erro de acreditar que não há outra maneira de ser revolucionário, de preparar a revolução, além de preparar materialmente em que os fundamentos da sociedade burguesa serão removidos, ou ainda o de se chocar obstinada e deliberadamente, com atos de revolta, individual ou coletiva, contra o ordenamento jurídico vigente – acreditando que esta é a única forma prática de agitação e luta.
É bem verdade que uma não deve ser negligenciada e a outra pode ser útil em mais de uma circunstância; Mas trata-se de formas de atividade excepcionais, de alcance limitado, que não podem constituir uma regra de conduta duradoura e igual no tempo e no espaço, nem um programa normal de ação.
A preparação material para a luta não pode ser mais do que a ocupação de grupos limitados de indivíduos; e essa tarefa, exaustiva em um tempo relativamente curto, não pode ser iniciada exceto em momentos especiais, quando há uma intenção séria e factível de entrar na luta ou a possibilidade de situações revolucionárias se vislumbra a uma curta distância. Recorrê-lo fora do tempo ou de tal forma que a coisa deva ir muito no longo prazo, seria inútil, muito desperdício e perigoso ao mesmo tempo. Quanto aos atos de revolta, individuais ou coletivos, que por um tempo foram chamados de “propaganda pelo ato”, Dependem unicamente da vontade de quem os executa, explodem num instante e repentinamente exaurem sua função, sem vínculos determinados e precisos com movimentos organizados e de massa. Em suma, saem da normalidade, em que só podem ser enquadradas ações coletivas e permanentes, como a do movimento sindical.
Mas pode-se dizer com isso que é impossível ser um revolucionário na vida prática de agitação e luta, mesmo em tempos normais, dentro das grandes organizações e dos maiores movimentos de massa? Não, Certamente. Se é verdade que, momentaneamente, as organizações maiores, mais sólidas e mais antigas têm tendências menos revolucionárias e mais acomodatícias e reformistas, também é verdade que sempre é possível trabalhar nelas, influenciando-as no sentido revolucionário. E esta é a tarefa dos organizados e organizadores animados de uma fé numa ideia de futuro. Eles, mesmo na vida prática cotidiana, em tempo de paz, podem desenvolver uma atividade revolucionária e dar um conteúdo revolucionário também às lutas aparentemente mais pacíficas do proletariado contra a burguesia.
Existem atos, formas de atividade que, mesmo sem sair da órbita jurídica, podem ser revolucionárias. Fazer um jornal, organizar e sustentar uma greve, promover encontros populares, manifestações nas ruas, etc., tudo isso pode ser contido nas formas mais ortodoxas. Tais manifestações, ainda que organizadas por revolucionários e anarquistas, não ultrapassam os limites da legalidade, só se tornam ilegais em casos excepcionais; e mesmo em tais casos, são infrações menores que acrescentam pouco ou nada de concreto aos resultados desejados. No entanto, existem atos desse tipo que, sem violar a lei formal, sancionada nos códigos para o benefício das classes dominantes, impressionam profundamente o espírito; e eles são, portanto, revolucionários.
Isso é tão verdadeiro que as mesmas classes dominantes sentem de vez em quando a necessidade de violar suas próprias leis: “para restaurar o equilíbrio”, eles dizem; isto é, para consolidar seu domínio, que a lenta mas legal infiltração da atividade revolucionária já está se mexendo desde os alicerces. Esta organização não é suficiente, entende-se – e no final o golpe decisivo da verdadeira revolução é indispensável – mas é necessária e conserva todo o seu valor revolucionário no período antecedente, mais ou menos longo, da evolução.
É preciso, porém, não cair no erro simplista de atribuir um valor revolucionário a cada forma de classe ou atividade partidária, apenas pelo rótulo que pode assumir ou simplesmente pela afirmação revolucionária do objetivo final. Há também muitos reformistas, que não negam que a solução do problema social requer, no final das contas, o colapso violento dos últimos obstáculos que se opõem à emancipação total da classe trabalhadora; mas então, na vida prática cotidiana, eles agem de maneira a evitar a revolução e a consolidar, em vez de enfraquecer, as colunas do capitalismo e do Estado.
O proletariado, ou melhor, suas facções revolucionárias, não são fortes o suficiente para se mover e agir fora das leis, que eles não reconhecem. Portanto, eles são obrigados a sofrê-las. Mas também nesta área o proletariado poderia dar à sua atividade uma orientação efetivamente revolucionária, isto é, na oposição radical, é intransigente com todas as instituições consideradas más e injustas. Não pode, é verdade, livrar-se da exploração capitalista; mas em sua luta contra ela é sempre possível para ele dar um caráter irredutível de negação, mesmo quando o que ele se propõe arrancar dele é muito pouco em comparação com sua emancipação integral.
É especialmente nas lutas do campo econômico que o método revolucionário pode se desenvolver, distinguindo-se do método reformista – que tende a obter melhorias como num contrato entre iguais – enquanto o primeiro tende a conquistar e arrancar dos capitalistas tudo o que as forças proletárias permitem, como agiria contra um ladrão que teria roubado todos os nossos bens.
É por isso que o método revolucionário consiste antes de tudo na maneira como certas conquistas são feitas. E essas conquistas só têm valor na medida em que são obtidas dessa forma, e não após negociações reformistas, que reconhecem, de fato, mas com palavras, o direito do empregador de não ceder.
O “modo” dos reformistas consiste, sim, também na organização, tomada como ponto de partida; mas então, o caminho não é aquele sugerido pela ideia de que a classe proletária e a classe patronal são irredutivelmente inimigas, mas o outro em que sempre pode haver uma maneira de se estabelecer entre as duas classes. O reformismo, portanto, tende a transformar os conflitos de classe em contratos, iguais a qualquer contrato entre comprador e vendedor.
Daí emana esta consequência: que se esquece o objetivo último do movimento proletário e se atribui a maior importância às melhorias imediatas, que justamente por isso perdem toda a importância. Considerando desse ponto de vista único e limitado todas as disputas econômicas e de classe, acaba utilizando todos os meios que podem servir ao objetivo imediato: mesmo aqueles que comprometem o futuro, mesmo aqueles que constituem um obstáculo para futuras conquistas. É política de Jacó que, por um prato de lentilhas, ele venda seu direito de primogenitura; e toda a filosofia dessa política parece encerrada no ditado popular monótono, confortável e preguiçoso: “melhor um ovo hoje do que uma galinha amanhã”.
O método revolucionário consiste, em vez disso, em não abrir mão de nada do futuro, mesmo levando tudo o que é possível no presente, e tendo o cuidado de não comprometer as conquistas de amanhã em troca das conquistas miseráveis, mas não desprezíveis, de hoje.