Contra fascismo, anarquistas gregos abrem ‘centros sociais’ e acolhem imigrantes
Atenas – A rua Temistocleos, íngreme, desemboca em uma enorme bandeira metade vermelha, outra metade negra, símbolo do anarcosindicalismo, que prega a ação direta. É o cartão de boas-vindas do grupo Nosotros a quem chega à praça Exarchia, no bairro de mesmo nome, centro da efervescência anarquista de Atenas.
O Nosotros, um prédio estreito de três andares, é o ponto de encontro do antifascismo e de uma sociedade alternativa, que prefere ignorar a crise em prol de uma economia local, sem amarras com o capital estrangeiro. No amplo primeiro piso, um café-bar, um salão e um grupo com uma proposta: mitigar as atividades dos membros do Aurora Dourada, o partido neonazista dono de 18 cadeiras no Parlamento grego.
Olga, de Tessalônica, leste da Grécia, 23 anos e estudante de cinema, está de férias em Atenas, mas bota café, cerveja e tsipouro (um destilado barato) na mesa dos clientes para garantir renda e manter o prédio funcionando. O imóvel é exemplo dos que foram alugados pelo movimento, além de outros ocupados. No cardápio, à parte das bebidas, há aulas gratuitas para a comunidade – especialmente de imigrantes.
“Aquele é fulano, que está machucado, apanhou da polícia depois de uma briga com um fascista. Esse é meu amigo, de 67 anos, está desempregado, perdeu a família e vem aqui receber aulas de teatro. Sim, damos aulas de grego, teatro e arte, de graça, para quem quiser”, contou Olga ao Opera Mundi. Ela não mostra o rosto nem diz o sobrenome. “Nem pensar”.
O bairro de Exarchia, próximo à Politécnica de Atenas, é um foco de atividades pautadas por políticas radicais. A área hoje é quase autônoma em relação à cidade, com pouquíssima presença policial. Mas com a crise econômica e a escalada inédita e institucionalizada do neonazismo, os ânimos estão acirrados e a tensão com incursões da polícia é constante.
O histórico dessa relação é bastante violento. Em capítulo recente, no dia 6 de dezembro de 2008, a morte do garoto Alexandros Grigoropoulos, de 15 anos, baleado por um policial grego, desencadeou uma série de distúrbios em Atenas. O local dos disparos ganhou um memorial, que simboliza a primeira grande reação de uma parte da população ateniense contra a crise econômica e o Estado grego.
A morte de Grigoropoulos não foi nem a primeira, nem a última em confronto com policiais gregos. Depois do episódio, pelo menos 300 oficiais foram feridos e três foram baleados. Grupos anarquistas que até então respiravam na superfície partiram para operações no underground, e a polícia, influenciada por quadros neonazistas, é acusada de prendê-los ilegalmente ainda hoje e torturá-los em cativeiros.
“Receber ordem e obedecer porque alguém supostamente melhor que você está mandando? Não dá. Se eu tenho medo da polícia? O que você quer que eu faça? Fique sentada no meu sofá enquanto os imigrantes apanham dos nazistas? Impossível”, enfatizou Olga. “A polícia vem para cima, obedece ordem de fascistas, faz vistas grossas para o que está acontecendo e o país está em colapso. A gente não pode ficar quieto e só receber bomba de gás lacrimogêneo.”
Rumos do movimento
A filosofia do Nosotros, aberto em 2005, está inscrita nos princípios da Alfa Kappa (AK), o Movimento Antiautoridade de Atenas, a mais forte tendência do anarquismo grego. Seus membros tratam os centros sociais como o “maior acerto” para consolidar a AK. É a partir deles que surgem reuniões e ideias para combater o fascismo em interações mais amplas com a sociedade.
O Nosotros tem sala de aula, computadores, internet grátis, um bar externo e outro interno, e quer escapar das amarras do governo grego. É também mais “aberto” à imprensa em comparação com similares mais radicais. A administração tem base na democracia direta e uma revista, a Babylonia, concentra a comunicação do grupo com artigos de opinião e matérias sobre as ações do movimento.
Recentemente, o Nosotros organizou uma festa, cuja arrecadação ajudaria a pagar advogados para dois membros que estão presos após confronto com a polícia. Em outra corrente, estuda formas alternativas de economia e realiza rondas em bairros de imigrantes para coibir casos de violência gratuita contra os moradores – boa parte deles paquistaneses, albaneses, chineses e sírios.
Seus membros não negam os coquetéis Molotov atirados contra a polícia em dia de protestos contra as medidas da Troika, e acentuam que não há outro caminho, a não ser o da resistência, com a criação de um cosmos alternativo, anti-Estado. “Para nós não interessa se o Parlamento aprovou ou não o memorando do FMI. Não estamos interessados nesse tipo de política”, afirmou Olga. “Agora, se o neonazismo continuar crescendo, nós vamos crescer também e vamos enfrentá-lo.”