Pierre Proudhon (1809-1865) e Mikhail Bakunin (1814-1876), contemporâneos de Marx, com ele partilham as críticas ao sistema capitalista, à propriedade privada dos meios de produção e à exploração da classe proletária pela burguesia. Concordam também que as revoluções Francesa e Americana foram mais políticas que sociais, pois elas teriam renovado os padrões de autoridade, dando poder às novas classes, mas não modificaram basicamente a estrutura social e econômica da França e dos Estados Unidos.
A relação de amizade e admiração de Proudhon e Bakunin com Marx rompeu-se, porém, a partir de divergências que se tornaram cada vez mais agudas. O nó do desentendimento encontra-se na teoria marxista da ditadura do proletariado. Como vimos, Marx preconizava um degrau necessário antes do advento do comunismo, quando a força do proletariado, exercida através do partido, evitaria a contra-revolução da classe deposta. Só depois o poder se dissolveria rumo à sociedade sem Estado.
Bakunin acusa Marx de otimista, não considerando ser possível evitar a rígida oligarquia de funcionários públicos e tecnocratas que tenderiam a se perpetuar no poder.
2. Principais idéias do anarquismo
É comum as pessoas identificarem anarquismo com caos, “bagunça”. Na verdade, não se trata disso. Etimologicamente, a palavra é formada pelo sufixo archon, que em grego significa “governante”, e em, “sem”, ou seja, “sem governante”. O princípio que rege o anarquismo está na declaração de que o Estado é nocivo e desnecessário, pois há formas alternativas de organização voluntária.
Se a religião, o Estado e a propriedade contribuíram em determinado momento histórico para o desenvolvimento do homem, passam a ser restrições a sua emancipação.
No entanto, a tese anarquista da negação do Estado não deve levar as pessoas a pensarem que se trata de uma proposta individualista, pois a organização não coercitiva se funda na cooperação e na aceitação da comunidade. O homem é um ser naturalmente capaz de viver em paz com seus semelhantes, mas as instituições autoritárias deformam e atrofiam suas tendências cooperativas. Surge, então, um aparente paradoxo, ou seja, a realização da ordem na anarquia; essa ordem na anarquia é uma ordem natural.
A sociedade estatal possui uma estrutura cuja construção é artificial, pois cria uma pirâmide em que a ordem é imposta de cima para baixo. A sociedade anarquista seria não uma estrutura, mas um organismo que cresce de acordo com as leis da natureza, e a ordem natural se expressa pela autodisciplina e cooperação voluntária e não pela decisão hierárquica.
Por isso, os anarquistas repudiam até a formação de partidos, já que estes prejudicam a espontaneidade de ação, tendem a se burocratizar e a exercer formas de poder. Também temem as estruturas teóricas, porque podem tornar-se um corpo dogmático. Daí o anarquismo ser mais conhecido como movimento vivo e não tanto como doutrina. A ausência de controle e de poder torna o movimento anarquista oscilante, sempre frágil e flexível, podendo ficar inativo por muito tempo para surgir espontaneamente quando necessário.
A crítica à existência do Estado leva à tentativa de inversão da pirâmide de poder que o Estado representa; a organização social que deriva dessa inversão rege-se pelo princípio da descentralização, procurando estabelecer a forma mais direta de relação, ou seja, a do contato “cara a cara”. A responsabilidade começa a partir dos núcleos vitais da vida social, onde também são tomadas as decisões: o local de trabalho, os bairros. Quando isso não é possível por envolver outros segmentos, formam-se federações. O importante, porém, é manter a participação, a colaboração, a consulta direta entre as pessoas envolvidas.
Os anarquistas criticam a forma tradicional de democracia parlamentar, pois a representação contém o risco de alçar ao poder um demagogo. Quando a decisão envolve áreas mais amplas, havendo necessidade de convocação de assembléia, a proposta é de escolha de delegados por tempo limitado e sujeitos à revogação do seu mandato.
Além da crítica feita ao Estado, os anarquistas prevêem que a supressão da propriedade privada dos meios de produção deve dar lugar a formas de organização que estimulem as ações dos indivíduos livres no corpo coletivo, o que poderia se tornar possível na comuna livre e em empresas dirigidas coletivamente.
Da mesma forma repudiam a estrutura hierárquica da Igreja e defendem o ateísmo como condição de autonomia moral do homem, liberto dos dogmas e da noção de pecado: “Para afirmar o homem, é preciso negar Deus”.
3. Representantes e movimentos
O mais brilhante anarquista foi Bakunin, filho de ricos aristocratas russos. Tornou-se revolucionário graças à influência de Proudhon. Participou das rebeliões que ocorreram em Paris, Praga e Dresden em 1848-1849, tendo sido preso por vários anos e depois exilado na Sibéria. De volta à agitação, em 1870 tomou parte nas revoltas de Lyon e Bolonha. Fez cerradas críticas a Marx, tendo sido expulso da Primeira Internacional em 1872. Com outros companheiros fundou a Internacional Saint-Imier. Sua obra é vigorosa e apaixonada, mas mal-organizada, pois dificilmente Bakunin terminava o que começava. Era, sobretudo um ativista.
Piotr Alexeyevich Kropotkin (1842-1912), ao contrario de Bakunin, defende a ação não-violenta e luta pelo respeito à vida humana, condenado a pena de morte, a tortura e qualquer forma de castigo imposta ao homem pelo homem.
O romancista Leon Toistól (1828-1910), embora se intitulasse um “pacifista cristão“, tinha opiniões sobre o governo e a autoridade que o aproximam dos ideais anarquistas. A pregação da resistência não-violenta influenciou Gandhi na estratégia da desobediência civil durante a luta pela independência da Índia. Entre defensores e simpatizantes, o anarquismo conta com artistas, jornalistas e intelectuais em geral, como Oscar Wilde, George Orwell, Aldous Huxley, Picasso, Alex Comford, Herbert Read, Emma Goldman, Malatesta e George Woodcock.
No final do século XIX, o movimento sindical deu ampla força ao anarquismo, gerando o movimento chamado anarco-sindicalismo, pelo qual os sindicatos não deveriam se preocupar apenas em conseguir melhores salários, mas em se tornar agentes de transformação da sociedade. Segundo o espírito anarquista, os sindicatos não têm poder centralizado, mas se organizam em pequenos grupos de fábrica, e a ampliação dos contatos em nível estadual e nacional deve sempre preservar a participação direta do trabalhador.
Foi na Espanha que o movimento atingiu maior expressividade, até quando não pôde mais resistir à ação dos exércitos do ditador Franco. Do mesmo modo, o advento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha significou o enfraquecimento do movimento naqueles países.
O anarquismo ressurgiu timidamente depois da Segunda Guerra Mundial e recrudesceu na década de 60 com o ativismo de jovens de vários países da Europa e da América, culminando com o movimento estudantil de 1968 em Paris.