Cura gay: Reorientar gays é como embranquecer negros contra o preconceito!
Homossexualidade não existe. O que existe é o infinito se expressando através de infinitas possibilidades. Os rótulos são apenas maneiras de apontar para uma dessas infinitas possibilidades de configuração de energia/consciência. A nossa sociedade ainda está despertando para a consciência, e portanto ainda está despertando para a ideia de que não existe um jeito ‘certo’ ou ‘errado’ de expressar o infinito. Por isso ela ainda cria essas bizarrices (como a ideia de cura gay) que tentam separar e excluir o que é diferente do que vem sido reproduzido exaustivamente até então. Toda a norma gera uma resistência. Quando exigimos muito algo das consciências por muito tempo – no caso da nossa sociedade, a ideia de heterossexualidade restritiva – o que vai acontecer é que, por gerar um desequilíbrio no sistema, automaticamente o sistema se auto-regula gerando mais da outra polaridade de manifestação. Aí que surgiu a ideia de homossexualidade. Mas o ponto a se entender aqui é que nem a “heterossexualidade” quanto a “homossexualidade” existem, elas só existem dentro desse jogo de conceitos limitantes e restritivos. O que existe em relações é amor, é empatia. Isso não é só determinado por órgão genital e por feromônios. Só que a nossa sociedade vem impondo isso há muito tempo, e por isso que nós geramos essa experiência de desequilíbrio e intolerância. E qual é a saída? Amor. Aceitação. Soltar esses conceitos e simplesmente relaxar no nosso ser puro, intocado, infinito. Aqui, agora, vivo.
Uma decisão de um juiz da 14ª Vara do Distrito Federal reavivou um debate que parecia superado. Em nenhum momento o veredicto de Waldemar Cláudio de Carvalho, proclamado na sexta-feira (15), usou a expressão “cura gay”. Mas, na prática, o Conselho Federal de Medicina (CFP) e militantes LGBT afirmam que a decisão de Carvalho se transformou em realidade no Brasil. A liminar concedida pelo juiz a um grupo de psicólogos determina que o Conselho reinterprete uma resolução estabelecida pela entidade em 1999. Ela proíbe que os profissionais ofereçam terapias de reversão ou reorientação sexual. Segundo a liminar, o Conselho deve reinterpretar a resolução de modo a não impedir a reorientação sexual. “O juiz manteve a resolução viva, mas a transformou em letra morta”, afirma o psicólogo Pedro Paulo Bicalho, diretor do Conselho Federal de Psicologia. “Se ele coloca de uma maneira muito clara que nenhum tipo de sexualidade é desvio, mas, ao mesmo tempo, que podemos reorientar pacientes que não estão no campo da anormalidade, então ele descaracteriza a resolução.”
O argumento dos psicólogos que entraram na Justiça é que a resolução é um ato de censura e impede o desenvolvimento de estudos e atendimentos sobre comportamentos e práticas homoeróticas. O Conselho considera uma infração ética oferecer tratamentos que não estão baseados em evidências científicas – caso da terapia de reorientação – e para condições que não são reconhecidas como doença. Desde 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças. O maior risco é que a liminar, ao dar brecha para que psicólogos ofereçam esse tipo de tratamento, permita que homossexuais sofram pressão para se tratar. Na maior parte dos casos, eles são encaminhados pela própria família.
Segundo Bicalho, do CFP, a resolução nunca impediu que psicólogos discutam com seus pacientes questões sobre sexualidade. Mas eles não podem tentar “reorientar” homossexuais para amenizar o sofrimento que a sociedade inflige a eles. Seria o equivalente, diz Bicalho, a oferecer um tratamento para embranquecer negros para que eles não sofram com o preconceito. “O problema é da sociedade, não das pessoas”, afirma. “O psicólogo precisa abordar essa orientação sexual de modo que um dia isso não seja mais um problema a ser tratado em um consultório de psicologia.” Leia a entrevista completa a seguir.
Na decisão, o juiz manteve a validade da resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe a reorientação sexual. Ainda assim, por que é criticada por ferir os direitos dos homossexuais?
Pedro Paulo Bicalho – Essa liminar saiu a partir de 23 psicólogos que entraram na Justiça solicitando a cassação de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, de 1999. Ela estabelece que a psicologia brasileira não reconhece a homossexualidade nem como patologia nem como desvio. Por isso, não caberia ao psicólogo no Brasil nenhum tipo de trabalho que favorecesse terapias de reversão. O juiz não determinou a cassação da resolução, mas solicitou ao Conselho que interprete a resolução de modo a não proibir os psicólogos de fazer terapias de reorientação. O juiz manteve a resolução viva, mas a transformou em letra morta. Se ele coloca de maneira muito clara que nenhum tipo de sexualidade é desvio, mas, ao mesmo tempo, que podemos reorientar pacientes, então ele descaracteriza a resolução. É preocupante porque o juiz está produzindo uma orientação técnica para psicólogos sem ter embasamento na ciência. Ele é um juiz, não um psicólogo. O que ele faz é solicitar ao CFP que interprete uma norma técnica a partir de outro paradigma que não é o da psicologia. Não cabe à Justiça brasileira dizer à psicologia o que fazer.
Algumas pessoas se dizem favoráveis à decisão por entenderem que ela permite que os psicólogos discutam sexualidade com os pacientes. Mas isso nunca foi proibido pelo Conselho. Por que a resolução passou a ser contestada?
Bicalho – Se a gente deixar, se uma liminar como essa não for cassada, você pode acreditar que amanhã haverá gente oferecendo esse tipo de trabalho – até por questões financeiras. Existe gente que lucra com isso. É claro que a resolução não impede o psicólogo de atender pessoas homossexuais, bissexuais ou heterossexuais para falar sobre sexualidade. Em 1999, o Conselho fez mais do que ratificar a decisão da Organização Mundial da Saúde, de 1990, que retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças. A psicologia brasileira reconhecia naquele momento que há diversas expressões da sexualidade, que elas não são desvios e que não há uma mais correta do que a outra. Elas são apenas diferentes e caracterizam a diversidade humana. Com isso, a resolução de 1999 estabelece que não caberia ao psicólogo no Brasil nenhum tipo de trabalho que favorecesse terapias de reversão. Só é possível reorientar algo que foi desviado. Portanto, não há nada a reorientar.
A decisão da Justiça é jurídica. O que diz a ciência sobre o assunto? Essas terapias de reversão sexual ou reorientação sexual têm algum embasamento científico?
Bicalho – Não há nenhuma evidência científica. Não é ético oferecer um tipo de terapia que não tem evidência científica. Por outro lado, temos inúmeras evidências da quantidade de sofrimento, de mais estigmatização, de mais exclusão, de mais violência que essas terapias produzem. Nós entendemos que não faz parte do escopo das atividades do psicólogo a produção de mais sofrimento. As pessoas que passam por esse tipo “terapia” veem seu desejo transformado em um problema. E o desejo existe para produzir prazer, e não problema. Não existe terapia que modifique o desejo. A pessoa passa a acreditar que ela tem um problema sem solução.
Como um psicólogo deve proceder quando recebe em seu consultório um paciente que não aceita sua homossexualidade?
Bicalho – Existe uma analogia com o racismo que talvez deixe a explicação mais fácil. Psicólogos recebem muitas pessoas negras que sofrem com racismo porque o Brasil é um país muito racista. Elas se queixam do racismo. Em um caso como esse, seria ético ao psicólogo, ao escutar esse tipo de sofrimento, oferecer alguma terapia de embranquecimento? Não. Porque o problema não é da pessoa, é do racismo, da sociedade. As pessoas que sofrem com racismo não devem ser transformadas em brancas para não sofrer. Elas devem denunciar essa violência para construirmos uma sociedade menos racista. Um psicólogo deve trabalhar com uma pessoa homossexual todo esse processo de exclusão que a homofobia produz para que juntos possam construir uma sociedade menos homofóbica. O psicólogo precisa abordar essa orientação sexual de modo que um dia isso não seja mais um problema a ser tratado num consultório de psicologia.
Se a liminar permite a terapia de reorientação, há o risco de pessoas serem pressionadas a fazer esse tipo de “tratamento”?
Bicalho – A grande maioria das pessoas é encaminhada, não vem por livre e espontânea vontade. Eu sou professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 2009, quando fazia dez anos da resolução, eu fiz uma pesquisa em que entrevistei mais de 400 pessoas LGBT. Eu perguntei se algum dia elas já haviam sido encaminhadas para psicólogos para fazer terapia de reversão: 70% já tinham sido, mas isso não quer dizer que elas foram necessariamente. Quando eu perguntei a esses 70% quem havia encaminhado, metade respondeu que tinha sido os pais.
A decisão judicial foi uma resposta a um processo movido por psicólogos a favor da reorientação sexual. Há muitos profissionais que defendem a prática?
Bicalho – A atuação do CFP é muito forte nessa área. O Conselho orienta e fiscaliza de forma muito próxima os profissionais, por isso há muito poucos. O CFP julgou mais de 200 casos e, entre esses, só três se relacionavam à terapia de reorientação.
Existe um perfil do tipo de psicólogo que se propõe a fazer “tratamento” contra a homossexualidade?
Bicalho – Em muitos casos, eles têm alguma associação com uma religião. Mas, neste momento, essa não é a discussão e não podemos difundir a ideia de que só religiosos fazem isso. Seria afastá-los do debate. Mas, infelizmente, temos percebido que essas pessoas estão ligadas a algum tipo de ensino religioso.
Via: Época,