Eleições – Diferença entre Princípios e Táticas
por Carlos Buenaventura
Nestas eleições, se amplia a chantagem eleitoral para os anarquistas votarem no candidato reformista para evitar o grande mal. Alguns anarquistas e autonomistas, não organizados em nenhum corpo político revolucionário, não só cederam a esta chantagem como atuam como aliados principais do PT no combate aos que não votam.
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O que percebemos é que aos que cedem falta uma teoria revolucionária e uma clareza da diferença entre Princípios e Táticas. Essa ausência de clareza gera oportunismo, reboquismo e reformismo. Peço aos revolucionários sinceros que se sentem pressionados, especialmente no meio universitário (pois entre nosso povo, o problema jamais será este, cansados que estão de toda essa enganação), que leiam e reflitam sobre a importância da distinção que fazemos aqui. Se queremos a construção de uma alternativa anarquista para a classe trabalhadora, não podemos abandonar o básico de nossa ideologia. E para isso, há que se ter clareza e não cair nas ilusões colocadas pelos reformistas.
SOBRE A DIFERENÇA ENTRE TÁTICAS E PRINCÍPIOS
SOBRE AS TÁTICAS
As táticas são flexíveis. Elas mudam de acordo com as transformações na conjuntura e das análises que fazemos do momento em que estamos vivendo.
Entender as táticas como inflexíveis, como imutáveis, é a expressão do que chamamos PURISMO e DOGMATISMO.
Trata-se de atuar sempre da mesma forma em qualquer contexto. Porém, a conjuntura muda, e uma tática que funcionou em um momento, não funciona mais em outro.
Quem insistiu, por exemplo, em repetir junho de 2013, com as mesmas táticas ativistas, pôde perceber que não estamos mais no momento em que uma conclamação fervorosa à luta é capaz de produzir grande mobilização.
Outro bom exemplo é a luta secundarista de 2015 e 2016 em Goiás. Chegou um momento em que a repressão criou um método bastante vigoroso para impedir as ocupações de escolas. Toda tentativa de ocupar terminava em fracasso da tática.
Os estudantes e apoiadores, um tanto quanto sem conseguir criar nova tática de luta, insistiram na mesma tática de continuar ocupando. O resultado foi o fracasso da ocupação, ou com a retirada dos estudantes sob a ameaça policial, ou mais prisões.
Era preciso entender a mudança de conjuntura e criar novas táticas frente aquela nova conjuntura. Portanto, é preciso reconhecer que naquele momento o movimento não conseguiu fazer isso e foi paulatinamente sendo desmobilizado.
Assim, podemos firmar este ensinamento:
Quem não flexibiliza as táticas de acordo com as mudanças de conjuntura e da análise que fazemos delas cai em purismo, em dogmatismo, e fica insistindo nos erros. Seus discursos e suas práticas estão quase sempre fora da realidade. Ficam afirmando princípios sem possibilidade real de qualquer atuação ou intervenção na realidade prática tal como ela se apresenta agora.
Entretanto, o erro oposto a este é o, ao confundir táticas com princípios, achar que os princípios também são flexíveis. Ora, vejamos o risco e o erro desta compreensão ainda mais grave.
SOBRE OS PRINCÍPIOS
Todo princípio é inflexível, não está sujeito a mudanças de conjuntura.
O que está sujeito a alteração de acordo com as mudanças na conjuntura e das análises que fazemos delas são as táticas, não os princípios.
Assim, quando analisamos a conjuntura, o que pretendemos é saber como vamos atuar desde aqui de baixo, e sempre através da ação direta, nas condições que encontramos agora ou que encontraremos depois das eleições.
Os que insistem em querer nos convencer a votar, perdem, deste modo, seu tempo. Estão falando desde um ponto de vista externo ao nosso, ainda quando acreditem que compartilhamos da mesma concepção de que a emancipação dos trabalhadores deva ser obra dos próprios trabalhadores.
Ora, isso não é uma simples questão estratégica ou tática para nós. É uma questão de princípios. Isto é, desde a primeira ação até a última, tudo o que faremos estará marcado pela ação direta e não pelas instituições da classe burguesa.
Princípios são, assim, aquela parte dura da concepção revolucionária, e são formadas por valores e ensinamentos que, se abandonados, colocam em xeque a própria ideologia. Um anarquista que defende em um determinado contexto a hierarquia no movimento operário, já não é anarquista ainda que permaneça se atribuindo tal rótulo.
Assim como a recusa de flexibilizar as táticas é purismo e dogmatismo, a flexibilização dos princípios é exatamente o que se entende por OPORTUNISMO.
Ora, defendemos a autonomia dos movimentos em um momento e no outro, por conta da mudança de conjuntura, abrimos mão do princípio de autonomia? O mesmo serve para ação direta, antiautoridade, antiestatismo, socialismo, etc. Se são princípios, são inflexíveis.
O Princípio não se negocia. O que se altera são as táticas que usamos. Mas, sempre, em qualquer condição, tais táticas estarão pautadas por nossos princípios.
Vejamos o exemplo dos secundaristas em Goiás. Nós falamos que a repressão encontrou uma forma de impedir as ocupações de escolas. Neste momento, o movimento não conseguiu encontrar outra tática de luta e insistiu em continuar ocupando escolas. Todas as tentativas fracassaram e foram paulatinamente gerando a desmobilização do movimento.
Assim, transformada a conjuntura, deveríamos encontrar outras táticas, mas sempre baseadas em nossos princípios. Isto é, outras formas de ação direta capazes de lidar com aquela mudança de conjuntura (no caso, o aprendizado da repressão em lidar com as ocupações).
No exemplo citado, se fossemos oportunistas, se flexibilizássemos os princípios, cairíamos na noção de que não é mais tempo de ações diretas. Que as coisas mudaram e agora o momento é de negociar. Mas, todos nós seguimos, e os estudantes por isso também venceram, o ensinamento de 1968: “ceder um pouco é capitular muito”.
Assim, quem flexibiliza os princípios, confundindo estes com táticas, caem em oportunismo. Alteram o estilo de atuação de acordo com a conjuntura. Tornam-se hoje revolucionários, amanhã reformistas, e quando interessar voltam de novo a ser revolucionários, mas aí com o risco de já terem se institucionalizado tanto que trarão ao povo todos os seus vícios burgueses. Ainda que alterem os princípios de modo honesto, este tipo de concepção atrai para próximo aqueles que mudam de acordo com a conjuntura. Não fixa assim nenhum tipo de estilo de militância, não conseguem agregar confiança e nem criar um modo de atuação revolucionário.
Por fim, abrem espaço em suas teorias para a ideologia burguesa. Exemplificamos isto na atualidade. Os autonomistas que aderiram ao voto dizem que neste momento, neste contexto, é preciso tentar evitar por todos os meios, inclusive pelas urnas, o mal maior. Continuam afirmando que a luta é mais importante, mas o voto se torna tático. Ao fazê-lo, eles abrem espaço em sua concepção para a noção de que o resultado das urnas é não só importante, mas mais que isso. Ora, é claro que os resultados das urnas são importantes e que a vitória de um candidato ou de outro altera o contexto de lutas. É claro que determinados contexto serão melhores ou piores para nós. O problema é achar que as urnas são importantes ao ponto de termos que participar delas. Neste momento, em suas concepções de mundo, o resultado eleitoral ganha um ponto de vista tático. Disputar nas urnas passa a ser relevante ao ponto de se lançarem em campanha por candidatos reformistas. Ora se o voto é importante a ponto de ser tático interferir ali, porque não se organizar também para as eleições, e disputá-las como uma força política? Porque não criar o Partido Autonomista? Porque não então, estando impedidos de formarem um partido institucional, não entrar nos partidos existentes e atuar tanto nas ruas quanto nas instituições burguesas? Veja como a adesão ao voto, parecendo um desprezo a ele, porque é tático e não estratégico, abre um campo imenso para o reformismo.
Anarquistas brasileiros já relativizaram antes o voto. E o final foi o ingresso mesmo de suas fileiras nos partidos institucionais. A relativização do voto não forma militância para a ação direta, mas abre na consciência dos militantes a ideia de importância de ser prudente, de atuar em todos os lados, mesmo nas instituições burguesas, enfim, de se transformarem paulatinamente em oportunistas e reformistas, e tudo isso por uma ausência de teoria revolucionária.
Esta postura foi tão gritante nestas eleições que os autonomistas sequer pensaram as questões em termos revolucionários. A adesão ao voto veio justificada com a seguinte pergunta: Em qual governo as pessoas sofrerão mais? Em qual governo teremos menos vítimas? Em qual governo mais vidas serão poupadas? O princípio é humanista burguês, não revolucionário. Logo, cruel. Ele negocia vidas. Aceitamos vinte mil mortes e não vinte e duas mil.
Este tipo de pergunta que se colocaram é reformista e não conduz em nenhum momento à construção desde agora de uma alternativa revolucionária para o futuro. Ora, sem teoria revolucionária jamais se formará organização revolucionária. Nem mesmo a pergunta foi (o que seria menos grave, mas ainda assim questionável) em que governo, teremos mais condições para a luta dos trabalhadores, a única via de transformação, avançar?
Mesmo esta pergunta, para nós anarquistas é pouco revolucionária. Não fazemos análise de conjuntura para decidir se devemos ou não votar. Quando criamos uma organização que tem como princípio a ação direta estamos dizendo claramente que a única forma de ação de nossa organização é aquela que é feita diretamente pelo próprio povo.
O voto, para nós, portanto, diferentemente das forças reformistas, ainda quando se dizem revolucionárias, ainda quando se dizem anarquistas, não está nunca em discussão. Em qualquer conjuntura, é na ação direta que encontramos nossas únicas armas.
Nossa análise de conjuntura, pretende sempre portanto apontar que cenário enfrentaremos e, dada as nossas forças, como iremos resistir em curto prazo, sobrevivendo e construindo uma alternativa revolucionária para a nossa classe a médio e longo prazo. A análise de conjuntura afeta as táticas, não nossos princípios.
Se pegarmos o exemplo do fascismo, está muito claro que a adesão de autonomistas e anarquistas ao voto e à campanha não será capaz de alterar nem sequer em 1% o resultado eleitoral. O resultado desta adesão é muito mais micropolítico do que macropolítico. Ele diz muito mais à ausência de teoria revolucionária e sobre a impossibilidade de construção de uma alternativa revolucionária do que propriamente a uma questão pragmática como querem afirmar: o de barrar o protofascista nas urnas. Não, vocês não agregam muito para isso. O resultado é muito mais para os meios em que anarquistas e autonomistas atuam, que tipo de lição eles estão dando especialmente para a juventude que se formou nas últimas lutas onde ainda temos alguma influência, e no interior dos meios sociais de trabalhadores que atuamos. O que estão fortalecendo neles senão a aliança com o reformismo, a valorização das urnas como importante e a preparação para que eles se tornem reformistas e oportunistas? Estão amigos simplesmente formando quadros para o PT e para os partidos institucionais e atrapalhando o surgimento de uma organização, ainda que pequena, agora, revolucionária, que possa crescer livre de qualquer ideologia burguesa e de qualquer participação nestas instituições. Não estão combatendo Bolsonaro nas urnas, pois nelas, vocês são insignificantes.
Somos também. Porém, sabemos que nossa tática consegue aglutinar uma pequena parte da classe trabalhadora que, em peso, abandona cada vez mais as ideologias burguesas. Enquanto vocês se lançam na aliança com o PT, cria-se um vazio que nós estamos ocupando. Por isso, mesmo que rechaçados no meio universitário, pelo reformismo burguês que vocês agora aderem, nossas organizações de base cresceram no período eleitoral. Porque somos, bem ou mal, uma das únicas alternativas completamente anti-institucionais.
O mesmo serve para o combate ao fascismo. Ora, nem mesmo o PT consegue barrar Bolsonaro nas urnas, quanto mais vocês. Vamos conseguir barrar a ascensão fascista com a unidade democrática? Vocês sabem que não. Se houver mesmo fascismo, só mesmo uma organização revolucionária, que consegue estabelecer base social e se organiza com meios de combate direto, com níveis de ingresso seguros, e livres de qualquer humanismo burguês tem alguma possibilidade de sobrevivência.
Só ela também poderá fornecer alguma proteção aos trabalhadores e estudantes nos meios em que estamos organizados, quando os pelegos agora já se organizam para abandonar a luta logo depois das eleições.
Não se iludam amigos. Se vier o fascismo, vocês sabem com quem poderão contar. Sabemos também que mesmo que se confundam, hoje, na questão do voto, encontraremos dedicados guerreiros da luta direta entre vocês. Mas, isso porque a situação eleitoral não se estende por longo tempo. Se se estendesse, em breve os combateríamos como verdadeiros oportunistas.
Ainda que a situação de capitulação tenda a não perdurar, é preciso, entretanto, fazer uma auto-reflexão teórico. É preciso perceber que, se permanecerem na relativização de princípios, o oportunismo e o reformismo estará cravado em cada um de seus atos.
Pensar em termos de humanismo burguês os levará sempre a colocar a questão: e agora? Qual destas ações trará menos prejuízo à vida? Meus amigos abandonem isso. Criem uma concepção revolucionária. Princípios humanistas libertários, muito mais profundos que o humanismo burguês, que possam guiá-los em todos os contextos. E se abram para as análises plurais e para a variedade de táticas, mas sempre presas ao princípio da ação direta, do classismo, do antiestatismo, do anti qualquer autoridade.
O ensinamento que trazemos é este:
Quem confunde princípios com tática, acaba de um modo ou de outro, ou flexibilizando os princípios e caindo no oportunismo e no reformismo, ou acaba não flexibilizando as táticas e caindo no purismo e no dogmativismo. Recusamos um e outro. Uma organização revolucionária precisa ter coerência (princípios como inflexíveis) e ao mesmo tempo racionalidade (táticas, orientadas por princípios inflexíveis, como flexíveis). Rumo ao combate ao fascismo e ao neoliberalismo. Nenhum recuo diante do oportunismo, do reformismo!
Via: agência de notícias anarquistas-ana
A ipoméia
Tomou-me o balde do poço –
Busco água no vizinho.
Kaga no Chiyoni