Capitalismo de Estado no Brasil?
Demétrio Magnoli fala sobre a tentativa de se implantar um capitalismo de Estado no Brasil….
O conceito de Capitalismo de Estado abrange dois significados distintos. O primeiro significado refere-se aos países designados de socialistas (URSS e Cuba, por exemplo), que se caracterizam por manter a exploração dos trabalhadores via extração de mais-valia, tal como no capitalismo privado, mas onde o Estado se transforma no principal proprietário. O Estado possui o monopólio dos meios de produção e extrai a mais-valia e a redistribui, além do investimento no processo de acumulação de capital, entre os burocratas, que passam a usufruir de diversos privilégios, formando uma burguesia de Estado. O segundo se refere a países capitalistas com forte intervenção do Estado na economia, onde este se esforça para desenvolver as forças produtivas, opondo-se assim ao liberalismo. É o caso da França, por exemplo.
O regime soviético foi acusado por comunistas conselhistas e anarquistas de ser um regime de capitalismo de Estado, pois, naquele regime, o Estado se tornou proprietário de todos os meios de produção, manteve os trabalhadores longe das decisões políticas e gerenciais, e continuou os submetendo à escravidão do salário.
Todos os países considerados comunistas, como a União Soviética, a China, Cuba, Vietnã, bem como os países do Leste europeu, foram acusados de serem também regimes de capitalismo de Estado.
A ideia de Capitalismo de Estado surge com o próprio processo da revolução russa. Lenin foi um dos primeiros a utilizar esta expressão, mas no sentido do primeiro caso e não do que os seus críticos depois utilizariam. Na Rússia, os grupos de oposição dentro do Partido Bolchevique (a Oposição Operária, os Centralistas Democratas e os Comunistas de Esquerda), colocaram a ameaça de abandono de construção do socialismo e a tendência de construção de um capitalismo de estado, devido a política do partido bolchevique e o abandono da autonomia operária. Fora do partido, o Grupo Verdade Operária qualificaria o regime russo como sendo um capitalismo de estado.
Fora da Rússia, foram principalmente os chamados comunistas de conselhos (Anton Pannekoek, Karl Korsch, Otto Rühle, Maximilien Rubel, entre outros) que teorizariam o regime russo como sendo um capitalismo de estado. Posteriormente, a Esquerda Comunista Italiana, de Amadeo Bordiga, e vários outros grupos e indivíduos passaram a adotar esta tese.
Trotsky e a maior parte da tradição trotskysta divergiu deste conceito, ao qual contrapuseram o de Estado Operário burocratizado. Alguns intelectuais de origem trotskysta adotaram esse conceito, como Tony Cliff, e romperam com a Quarta Internacional.
Capitalimo de Estado, em linhas gerais, é o que se pode chamar de “novo modelo” esquerdista de capitalismo, cujos principais protagonistas são a China, a Rússia e o Brasil, o Estado estimula a fusão de grandes empresas para criar gigantes em setores onde tais países apresentam vantagens competitivas.
Um exemplo notável de Capitalismo de Estado foi com a chegada Putin ao poder na Rússia. Após a total desordem criada com a derrocada do comunismo, o governo russo restabeleceu sua participação nas empresas consideradas “estratégicas”, privatizadas a preço de banana no governo Yeltsin (na verdade, redistribuídas entre os ex-dirigentes comunistas). E com o boom da economia mundial nos anos 2000, as iniciativas de Putin foram ainda mais reforçadas.
O Brasil aparece como um exemplo light da tendência, pois sua participação na formação dos chamados “campeões nacionais” tem sido feita de forma indireta via empréstimos do BNDES e fundos de pensão. Veja o caso da mudança do presidente da Vale, como um exemplo de intervenção política. Mesmo sem se aprofundar no nosso caso, e apesar da recente trajetória de aumento do Estado brasileiro, os primeiros resultados já podem ser sentidos na piora dos números da Petrobrás, na desastrada tentativa de criar um “campeão nacional” no setor pecuário que terminou em falência, na caríssima refinaria Abreu e Lima em Pernambuco que nem saiu da fase de terraplanagem, mas já teve seu orçamento multiplicado, além do aumento exponencial do aporte de recursos para o BNDES para financiar grandes empresas (especialmente o setor de construção civil), o que significa mais dívida bruta acumulada para o futuro.
Enfim, a China, o maior expoente do novo modelo de capitalismo, poderá ser o novo foco de mais uma grave crise capitalista. O que fazer para minimizar os efeitos de tal crise? Diminuir as dívidas, aumentar a poupança interna, desenvolver tecnologia, aumentar eficiência, equilibrar a previdência, reduzir o chamado “custo Brasil”, etc.