Carta que Proudhon dirigiu a Marx em maio de 1846 e foi o motivo para o rompimento de ambos
Meu caro Senhor Marx,
Concordei de bom grado em ser uma das pessoas incumbidas de receber suas cartas cujos objetivos e organização são, a meu ver, extremamente úteis. Porém não posso prometer respostas muito extensas ou freqüentes, já que minhas múltiplas atividades, combinadas a uma preguiça natural, pouco favorecem tais esforços epistolares. Devo também tomar a liberdade de fazer certas ressalvas que me foram sugeridas por várias passagens da sua carta.
Em primeiro lugar, embora minhas idéias quanto à organização e realização do movimento estejam no momento mais ou menos definidas, pelo menos no que diz respeito aos seus princípios básicos, creio ser meu dever – como é dever de todos os socialistas – manter ainda por algum tempo uma atitude crítica e dubitativa. Resumindo: eu em público professo um anti-dogmatismo quase absoluto.
Procuremos juntos, se assim o desejar, as leis da sociedade, a forma pela qual essas leis poderão ser executadas, o processo que utilizaremos para descobri-las. Mas, por Deus, depois que tivermos destruído a priori todos os dogmatismos, não sonhemos por nossa vez em doutrinar as pessoas; não nos deixemos cair na contradição de seu compatriota Martin Lutero que, depois de ter demolido a teologia católica, lançou-se imediatamente à tarefa de criar as bases de uma teologia protestante, utilizando-se da excomunhão e do anátema. Nestes últimos três séculos, uma das principais preocupações da Alemanha tem sido desfazer o mau trabalho de Lutero. Não deixemos pois à humanidade a tarefa de desfazer uma embrulhada semelhante como resultado de nossos esforços.
Aplaudo, de todo o coração, sua ideia de trazer todas as opiniões à luz. Iniciemos sim uma boa e leal polêmica; tentemos dar ao mundo um exemplo de tolerância sábia e perspicaz, mas não nos transformemos, pelo simples fato de que somos os líderes de um movimento, em líderes de uma nova forma de intolerância; não posemos de apóstolos de uma nova religião, mesmo que seja a religião da lógica e da razão.
Vamos reunir e estimular todas as formas de protestos, vamos rechaçar toda a aristocracia, todo o misticismo; jamais consideremos qualquer tema esgotado e, quando tivermos lançado mão do nosso último argumento, comecemos outra vez – se preciso for – a discussão, com eloqüência e ironia. Sob tais condições eu alegremente unir-me-ei a vós. De outra forma – não!
Também tenho algumas observações a fazer sobre esta frase da sua carta – o momento da ação. Talvez o senhor ainda mantenha a opinião que no momento é impossível haver qualquer reforma sem que haja um coup de main, sem o que era antes chamado revolução e que na verdade não é nada mais do que um choque. Esta segunda ideia que eu entendo, perdoo e que estaria disposto a discutir, tendo eu mesmo compartilhado dela durante um longo tempo, meus estudos mais recentes me fizeram abandoná-la totalmente. Não creio que tenhamos de lançar mão dela para triunfar e, conseqüentemente, não devemos colocar a ação revolucionária como um meio para alcançar a reforma social, já que esse pretenso meio seria apenas um apelo à força, à arbitrariedade, em resumo, uma contradição. Eu coloco assim o problema: provocar o retorno à sociedade, por meio de uma combinação econômica, da riqueza que ela perdeu graças a uma outra combinação. Em outras palavras, utilizar a Economia Política para transformar a teoria da Propriedade contra a Propriedade de forma a criar aquilo que os socialistas alemães – vocês – chamam de comunidade e que eu pessoalmente me limitarei, por ora, a chamar de liberdade ou igualdade. Creio possuir os meios para resolver este problema dentro de muito pouco tempo: preferiria, portanto, queimar a propriedade em fogo lento a lhe dar novo alento fazendo uma noite de São Bartolomeu com aqueles que a têm nas mãos.
(in Correspondência, 1874 – 1875)