Ecologia Social
Ecologia social é um conceito criado pelo geógrafo anarquista Elisée Reclus em fins do século XIX e reapropriado pelo filósofo Murray Bookchin nos anos de 1960.
Sustenta a ideia que os problemas ecológicos atuais estão arraigados e profundamente assentados em problemas sociais, particularmente no domínio dos sistemas políticos e sociais hierarquizados. Estes resultaram de uma aceitação não-crítica de uma filosofia hipercompetitiva do crescer ou morrer. Sugere também que não é possível fazer frente a tais problemas através de ações individuais como o consumismo ético, mas precisa estar relacionado a formas de pensamento éticos mais profundas e atividades coletivas fundamentadas em ideais democráticos radicais (libertários). A complexidade das relações entre pessoas e a natureza é enfatizada, junto com a importância de se estabelecer estruturas sociais que possam levar em conta tais relações.
Este é um trecho do ensaio “O que é Ecologia Social?” (What is Social Ecology?) de Murray Bookchin, importante autor na intersecção entre anarquismo e ecologia, que faleceu em 2006.
“Cresça ou Morra” – Murray Bookchin.
Assim como as hierarquias e as estruturas de classe haviam adquirido momento e permeado muito da sociedade, também o mercado começou a adquirir uma vida própria e extender seu alcance além de algumas poucas regiões às profundezas de vastos continentes. Onde a troca havia sido primariamente um meio de prover necessidades essenciais, limitadas por guildas ou por restrições morais e religiosas, a troca de longa distância subverteu esses limites. Não apenas a troca colocava grande importância na técnicas para a produção crescente, ela também se tornou a progenitora de novas necessidades, muitas delas totalmente artificiais, e deu um tremendo ímpeto ao consumo e ao crescimento do capital. Primeiro no norte da Itália e nas terras baixas européias, e depois – e mais decisivamente – na Inglaterra durante os séculos XVII e XVIII, a produção de bens exclusivamente para venda e lucro (a produção da mercadoria capitalista) rapidamente pôs de lado todas as barreiras sociais e culturais para o crescimento do mercado.
Ao fim do século XVIII e XIX, a nova classe industrial capitalista, com seu sistema de indústrias e dedicação à expansão ilimitada, havia embarcado na colonização de todo o mundo, incluindo a maioria dos aspectos da vida pessoal. Ao contrário da nobreza feudal, com seus estimados castelos e terras, a burguesia não tinha lar senão no mercado e nos cofres dos bancos. Como classe, tornou mais e mais do mundo um domínio das fábricas. Nos mundos antigos e medievais, empresários haviam normalmente investido lucros na terra e viviam como povo do campo, dados os preconceitos de seus tempos contra os ganhos “de má origem” do comércio. Mas os capitalistas industriais do mundo moderno deram à luz um mercado amargamente competitivo que colocava um alto valor na expansão industrial e no poder comercial que lhe seguia, funcionando como se o crescimento fosse um fim em si mesmo.
Na ecologia social é crucialmente importante reconhecer que o crescimento industrial não resultava e não resulta de mudanças apenas na cultura – ainda menos do impacto da racionalidade científica e tecnológica sobre a sociedade. O crescimento ocorre acima de tudo por fatores duramente objetivos criados pela expansão do próprio mercado, fatores que são praticamente insensíveis a considerações morais e tentativas de persuassão ética. De fato, apesar da associação próxima entre o desenvolvimento capitalista e a inovação tecnológica, o imperativo mais impulsionante de uma empresa no cruel mercado capitalista, dada a competição barbaramente desumanizadora que prevalece lá, é a necessidade de uma empresa de crescer para evitar perecer na mão de seus rivais igualmente bárbaros. Por mais que a ganância possa ser uma força motivadora, a pura sobrevivência exige que o empresário deva expandir o aparato produtivo dele ou dela para permanecer à frente dos outros. Cada capitalista deve, resumidamente, tentar devorar os rivais dele ou dela – ou por eles ser devorado. A chave para essa lei da vida – para a sobrevivência – é a expansão, e a necessidade para lucros cada vez maiores, a serem investidos, por sua vez, em expansão posterior. De fato, a noção de progresso, que uma vez já havia sido identificada como uma fé na maior cooperação e cuidado entre os seres humanos, é agora cada vez mais identificada com maior competição e crescimento econômico irresponsável.
O esforço de muitos teóricos ecologistas bem-intecionados e seus admiradores em reduzir a crise ecológica a uma crise cultural ao invés de social desorienta e leva ao erro. Por mais bem-intecionado ecologicamente que um empresário possa ser, a dura realidade é que a própria sobrevivência dele ou dela no mercado exclui o desenvolvimento de uma orientação ecológica significativa. A adoção de práticas ecológicas fortes coloca um empresário moralmente preocupado numa desvantagem enorme, de fato fatal, numa relação competitiva com seu rival – que, operando sem regras ecológicas ou preocupações morais, produz mercadorias baratas a custos baixos e tira maiores lucros para futura expansão de capital. O mercado tem sua própria lei de sobrevivência: apenas os mais inescrupulosos pode chegar ao topo na luta competitiva.
De fato, na medida em que movimentos ambientais e suas ideologias buscam apenas moralizar quanto à malvadeza da nossa sociedade anti-ecológica e pedem mudanças em estilos de vida e atitudes pessoais, eles obscurecem a necessidade para ação social concertada e tendem a desviar a luta por mudança social de longo alcance. Enquanto isso, as corporações estão habilmente manipulando o desejo popular por práticas pessoais ecologicamente fortes ao cultivar miragens ecológicas. A Mercedes-Benz, por exemplo, clama numa propaganda de revista de duas páginas, decorada com pinturas de um bisão de uma caverna paleolítica, que “nós devemos trabalhar para tornar o progresso mais sustentável ecologicamente ao incluir temas ambientais no planejamento de novos produtos.”[i] Tais mensagens são lugar-comum na Alemanha, um dos países mais poluentes da Europa ocidental. Essas propagandas são igualmente manipuladoras nos Estados Unidos, onde os poluidores-chefe declaram piamente que, para eles, “cada dia é Dia da Terra.”
O ponto que a ecologia social enfatiza não é que persuasão moral ou espiritual não sejam necessárias; elas são necessárias e podem ser educativas. Mas o capitalismo moderno éestruturalmente amoral e portanto insensível a apelos morais. O mercado moderno é levado por imperativos próprios, independentemente de que tipo de CEO se senta no banco de motoristas da corporação ou se segura em suas barras de segurança. A direção que essa corporação segue não depende das prescrições éticas ou inclinações pessoais mas em leis objetivas de perda, crescimento ou morte, devorar ou ser devorado, e por aí. A máxima “negócios são negócios” nos diz explicitamente que fatores éticos, religiosos, psicológicos e emocionais não tem virtualmente espaço algum no mundo predatório da produção, lucro e crescimento. É tremendamente enganador acreditar que podemos mudar esse mundo duro e praticamente mecânico em suas características objetivas simplesmente por meio de apelos éticos.
Uma sociedade baseada na lei do “cresça ou morra” como seu imperativo que tudo permeia deve por necessidade ter um impacto devastador sobre a primeira natureza. Tampouco o “crescimento” aqui se refere ao crescimento populacional; a atual idéia que os países de crescimento populacional são os ecologicamente mais danosos não procede; ao contrário, os mais sérios violadores dos ciclos ecológicos se encontram nos grandes centros do mundo, que envenenam não apenas água e ar mas produzem os gases do efeito estufa que ameaçam derreter as calotas de gelo e inundar vastas áreas do planeta. Imaginemos que pudéssemos cortar a população do mundo ao meio: o crescimento da espoliação da terra mudaria? O Capital continuaria a insistir que seria “indispensável” ter dois ou três de cada bem doméstico, veículos motorizados ou “gadget” eletrônico quando um seria já ótimo, ou talvez demais. Além disso, os militares continuariam a exigir cada vez mais instrumentos letais de morte e devastação, e novos modelos lhes seriam fornecidos anualmente.
Nem tampouco tecnologias mais “soft”, se produzidas num mercado cresça-ou-morra, deixariam de ser usadas para fins capitalistas destrutivos. Há dois séculos, vastas áreas de floresta na Inglaterra foram transformadas em combustível para forjas de ferro que não haviam mudado muito desde a Idade do Bronze, e velas comuns guiavam os navios abarrotados de mercadorias para todas as partes do mundo até bem adentro do século XIX. De fato, muito dos Estados Unidos foi limpo de suas florestas, vida nativa e habitantes aborígenes com ferramentas e armas que, embora um pouco modificadas, seriam reconhecidas por homens da Renascença muitos séculos antes. O que as técnicas modernas fizeram foi acelerar um processo que já estava bem a caminho desde o fim da Idade Média. Elas não podem ser tidas como unicamente responsáveis por práticas que aconteciam havia séculos; elas só aumentaram o dano causado pelo sistema de mercado sempre a se expandir, cujas raízes, por sua vez, estavam numa das transformações sociais mais fundamentais da história: a elaboração de um sistema de produção e distribuição baseado na troca ao invés da ajuda complementar e mútua.
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