Educação Libertária – Silvio Gallo

A educação contemporânea pode ser analisada sob o prisma libertário em seus mais diversos matizes. Nesta oportunidade, privilegiarei apenas um deles: um aspecto macropolítico, dizendo respeito às mediações entre o Estado, a sociedade e a educação. Trata-se de debater aquilo que a maioria dos educadores progressistas considera óbvio: a educação pública e universal deve ser uma função do Estado. Mas será de fato necessária esta mediação do Estado entre a sociedade e a educação? Uma educação gerida pela Estado não estará à mercê de seus interesses políticos e sociais? A comunidade não pode gerar e gerir sua própria escola, organizando-a segundo seus interesses e necessidades? Em outras palavras: entre o sistema público-estatal e o sistema privado de ensino, não podemos viabilizar um sistema público-comunitário de ensino, com base nos princípios libertários? Quando falamos em educação pública, pensamos, de forma quase que imediata, em educação fornecida pelo Estado, como se entre as duas expressões houvesse um laço, invisível e indissolúvel; mas será que conceitualmente podemos reduzir a educação pública apenas àquela fornecida pelo Estado? Num movimento que ganhou mais ênfase durante as discussões que nortearam a redação da Constituição Federal promulgada em 1988 e que agitou-se novamente em torno das discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em dezembro de 1996, alguns grupos -bastante heterogêneos em sua composição – defenderam e têm defendido através de seus poderosos lobbies que a educação pública não pode ser resumida à educação estatal, mas englobaria ainda outras modalidades de ensino. Um exemplo típico seria a parcela das escolas confessionais que defendem para si próprias o epíteto de escolas comunitárias, por pautarem-se em reais interesses sociais – calcados na chamada “opção preferencial pelos pobres” da Igreja Latino-americana – e não em meros interesses financeiros e empresariais, como as escolas privadas propriamente ditas. À parte dos verdadeiros e honestos interesses sociais destas escolas, que em alguns dos casos realmente existem, não podemos deixar de explicitar que por trás desta simpática auto-denominação passa, sorrateiramente, o interesse de conseguir acesso às verbas que o poder público destina à educação que, se não são no montante que seria minimamente desejável para suprir nossas necessidades, também estão muito longe de serem desprezíveis. Assim, as ditas escolas comunitárias também receberiam verbas estatais que, a princípio, deveriam ser encaminhadas apenas e tão somente àquelas escolas cuja manutenção e gerência é função direta do Estado. Na 6ª Conferência Brasileira de Educação, realizada em São Paulo em 1991, Carlos Roberto Jamil Cury fez a crítica dos interesses destas escolas “públicas não-estatais”:
“Na segunda vertente, caso do comunitário defendido como ‘publico não-estatal’, a fundamentação é levemente diferenciada. A escola privada-confessional, sobretudo aquela voltada para a ‘opção preferencial pelos pobres’, incluiria aquelas parcelas do povo marginalizado pelo Estado (isto é: os ‘pobres’ no sentido bíblico), nas quais confluem do direito à diferença (já que a escola oficial não oportunizaria esta diferença), mas pela qual teriam que pagar, e a impossibilidade de pagar e com isto de ter acesso àquela diferença.