Margarita Ortega
Como os grupos revolucionários – zapatistas, viilistas, entre outros – o movimento anarquista do México, encabeçado pelo Partido Liberal Mexicano, havia se lançado às armas contra a brutal ditadura do general Porfírio Diaz. Com a luta e sob terrível repressão, a influência das idéias anarquistas de Magón (Ricardo Flores Magón, que participou da revolução mexicana em 1910) e seus companheiros estendia-se cada vez com maior força no seio das sociedades camponesas e operária do norte do México e Baixa Califórnia, do mesmo modo que no sul acontecia a rebelião zapatista. No início de 1911, uma das pessoas encarregadas do contato
entre combatentes libertários magonistas era uma mulher: Margarita Ortega. Sua arriscada tarefa consistia em atravessar as linhas inimigas guiando os grupos que transportavam as armas, víveres e medicamentos até as agrupações que estavam armadas, e que viviam escondidas nas montanhas ou misturadas nas cidades e vilas. Sua valentia em combate e sua habilidade como amazona – que lhe permitia escapar de várias emboscadas – era admirada entre as guerrilheiras. A história de Margarita Ortega aparecia nas canções populares do México e era bem conhecida pelas revolucionárias. Ainda que filha de uma família estabelecida, desde muito cedo preocupou-se com o destino das trabalhadoras e, como dizia, das deserdadas, vítimas da injustiça social. Seus familiares – que aspiravam fazer parte da burguesia endinheirada – não só rechaçavam as idéias que a filha tinha, como se vê nas músicas, mas odiavam e repudiavam suas atitudes. E nesse ambiente, ela se casou e em pouco tempo pariu uma menina, que pôs o nome de Rosaura. Durante a infância de Rosaura, a mãe se vinculou ao movimento anarquista de Flores Magón. Desde o primeiro momento desenvolveu uma atividade organizativa que lhe valeu a confiança dos grupos clandestinos. Mas, à medida que chegava o fim da sangrenta ditadura de Porfírio Diaz, a luta tornava-se mais dura. Em princípios de 1911, alguns meses antes da queda do ditador, Margarita – segundo o próprio Magón – propôs ao marido irem juntas combater na guerrilha: Eu te amo – ela disse – mas amo também a todas que sofrem e pelas quais luto e arrisco minha vida. Não quero mais ver mulheres e homens dando sua força, saúde, inteligência, seu futuro para enriquecer os burgueses; não quero que por mais tempo haja homens mandando em outros homens. O marido negou-se. Então Margarita dirigiu-se a sua jovem filha, Rosaura Gortari: E você, minha filha, está disposta a me seguir ou prefere ficar com a família? Rosaura não duvidou em seguir com a mãe e ambas ingressaram como combatentes nos grupos armados. Quando, em 21 de maio de 1911, cai Porfírio Diaz, uma explosão de alegria acode todo o México. O povo saiu à rua acreditando que a liberdade e o fim da miséria estavam ao alcance da mão. Entretanto, pouco durou a alegria e a esperança. Uma vez que Madero foi nomeado presidente, ele nega ao povo tudo aquilo porque havia lutado. Não acontece a reforma agrária, nem a devolução das terras comunais. E nas oficinas continuam as jornadas abusivas e salários infames. Os mineiros permanecem escravizados aos interesses das empresas estrangeiras. Em poucos meses, as prisões estão cheias de novo. Os fuzilamentos e execuções sumárias se sucedem por todo o país e muitas revolucionárias têm que retornar às montanhas, entre elas Flores Magón, Zapata, Margarita e sua filha Rosaura. Naqueles dias, em um dos atos de crueldade aos que tão aficcionados são governadores e militares, o general Rodolfo Gallegos ordenou que se levasse mãe e filha até o deserto e as colocasse em marcha sobre o imenso areal, debaixo de um sol abrasador, sem água, sem alimentos e a pé, com a advertência de que seriam passadas pelas armas se voltassem ao povoado. Durante vários dias, Margarita e sua filha arrastaram-se por aquele imenso areal, que fazia fronteira com os Estados Unidos. A sede e a fome foram minando a resistência de ambas. Rosaura foi a primeira a cair exausta com os lábios inchados e o rosto queimado. A mãe, ao vê-la cair desmaiada e com os olhos fechados, acreditou que tudo havia terminado, decidindo assim, esperar que a morte a encontrasse também, mas depois ela percebeu que a filha ainda estava viva e a observava. Tirando forças sabe-se lá de onde, conseguiram alcançar as cercanias do povoado de Yuma, já nos EUA. Ainda não recuperadas do sofrimento, os inspetores da imigração norte-americana arrastaram as duas e pretendiam deportá-las para o México, entregando-as a uma morte certa. Mas, em Yuma havia uma importante seção do movimento anarquista de Magón que, em seguida, organizou a fuga. Margarita e sua filha foram transferidas para Phoenix, Arizona, trocando seus nomes respectivos por Maria Valdés e Josefina. Entretanto, apesar dos cuidados da mãe e das companheiras, a pequena Rosaura não pode salvar-se, falecendo logo que chegou. Durante algum tempo a mãe pareceu desesperar-se, mas, com o passar dos dias, tendo os olhos dirigidos para a terrível fronteira, pouco a pouco foi reanimando-se, e com ela, a necessidade de continuar a luta que havia iniciado. De algum modo, Rosaura continuaria vivendo nela e assim manteria a esperança em um ideal comum. Assim o fez, com o companheiro Natividad Cortés – conta Flores Magón – empreendeu a tarefa de organizar o movimento revolucionário no norte de Sonora, tendo como base de operações o vilarejo de Sonoyta, do dito estado. Mas a tragédia a perseguia sob o nome do general Gallegos, agora partidário do novo chefe Carranza e contra o ditador Huerta, que havia assassinado Madero e ocupado o cargo de presidente da república. Em outubro de 1913, Gallegos havia sido encarregado de vigiar a fronteira e cumprido este trabalho policial, em uma triste casualidade, pôs as mãos nas anarquistas. Natividad Cortés foi fuzilado no ato, e Margarita foi entregue às tropas do ditador Huerta. Em um campo próximo a Mexicalli. Submetida à tortura para que delatasse as companheiras que lutavam contra a nova ditadura e que sustentavam a organização anarquista clandestina. Margarita resistiu em silêncio. Durante quatro dias a obrigaram a ficar de pé e quando caia a levantavam a coronhadas e com chutes. Diante de seu silêncio, na manhã de 24 de novembro, a jogaram no deserto e ali a fuzilaram deixando seu cadáver estirado. No ano seguinte, chegada a brutal notícia ao conhecimento de Flores Magón, este escreve uma dolorida crônica, que segue, passo a passo, o terrível, enérgico testemunho desta mulher indomável, que será como uma premunição de si mesma.