O Dever de honra – Errico Malatesta
Acabaram as eleições.
Nós – quer dizer, todos os companheiros – fizemos tudo o que podíamos fazer para explicar ao povo esta trapaça que é a luta eleitoral, assim como seus danos. E trabalhamos bem. Mas agora nos compete um outro dever, e mais importante: mostrar – pelos fatos, obtendo resultados – que nossa tática é melhor do que a dos parlamentaristas; e que não somos simplesmente uma força negativa, mas queremos ser e somos uma força ativa, operante, eficaz, na luta pela emancipação do proletariado.
Combatemos os socialistas parlamentares e temos razão porque, em seu programa e em sua tática, há o germe de uma nova opressão. Se algum dia eles triunfassem, o princípio de governo que conservam e reforçam destruiria o princípio de igualdade social e abriria uma nova era de luta de classes. Mas, para ter o direito de combate-los, devemos fazer melhor do que eles.
Ter razão em teoria, sonhar com ideais superiores, criticar os outros, prever as consequências de programas incompletos e contraditórios, isto não basta. Mais ainda, se tudo se limita à teoria e à crítica e não serve de ponto de partida a uma atividade que procure e que crie as condições para pôr em obra um programa melhor, nossa ação corre o risco, ao contrário, de ser nociva na prática, entravando a ação dos outros, e isto para a grande vantagem de nossos inimigos comuns.
Impedir, por nossa propaganda, que o povo envie ao Parlamento, socialistas e republicanos (levando em conta que aqueles que são os mais acessíveis à nossa propaganda são precisamente os que, sem nós, votariam em candidatos antimonarquistas) é muito bom, se soubermos fazer, daqueles que arrancamos do fetichismo da urna, combatentes conscientes e ativos da emancipação verdadeira e total.
Caso contrário, teríamos servido, serviríamos aos interesses da monarquia e dos conservadores.
Pensemos todos nisto. Trata-se do interesse de nossa causa, de nossa honra, como homens e partido.
A propaganda isolada, ocasional, que frequentemente é feita com o objetivo de acalmar sua consciência, ou para dar simplesmente livre curso à sua paixão pela discussão, esta propaganda não serve para nada ou quase nada.
Ela é esquecida, perde-se antes que seus efeitos possam somar-se uns aos outros e tornar-se fecundos, tendo em vista as condições de inconsciência e de miséria das massas e, por outro lado, todas as forças que nos são contrárias. O terreno é muito ingrato para que sementes lançadas ao acaso possam germinar e produzir raízes.
É necessário um trabalho contínuo, paciente, coordenado, adaptado aos diferentes meios e às diferentes circunstâncias. É preciso que cada um de nós possa contar com a cooperação de todos os outros, e que em todos os lugares onde um grão tiver sido lançado, não falte o trabalho assíduo do jardineiro para cuidar dele e protege-lo até que ele tenha se tornado uma planta capaz de viver por si mesma e, por sua vez, espalhe novos grãos fecundos.
Há, na Itália, milhões de proletários que ainda são instrumentos cegos nas mãos dos padres; há milhões que odeiam o patrão com um ódio intenso, mas que estão persuadidos de que não se pode viver sem patrões e não sabem imaginar nem desejar outra emancipação senão a de tornar-se patrões, por sua vez, e explorar seus companheiros de miséria.
Há regiões imensas – exatamente a maior parte da superfície da Itália – onde nossa palavra jamais chegou, ou não deixou marcas sensíveis caso tenha lá chegado.
Existem organizações operárias, poucas, é verdade, às quais somos estranhos.
Desencadeiam-se greves onde, não preparados ou tomados de surpresa, não podemos nem ajudar os operários no combate que eles realizam, nem aproveitar a excitação dos espíritos para nossa propaganda.
Eclodem motins, quase insurreições, e nenhum de nós o sabe.
Há também a perseguição; aprisionam-nos, deportam-nos às centenas e aos milhares e encontramo-nos impotentes, não somente para reagir, mas até mesmo para atrair publicamente a atenção para as infâmias das quais somos vítimas.
Ao trabalho, companheiros! A tarefa é grande. Ao trabalhos, todos!”
Publicado em L’Agitazione, Roma – 22 de setembro de 1901.